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O que significa uma ferramenta? O que significa um espaço? [atividade de aprofundamento]

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Nota: Baseado no módulo "Movement Building" criado pelo programa de direito das mulheres da APC, que não está incluso neste material. Algumas adaptações foram feitas com base nas experiências locais da equipe de tradução.

Atividade 1: O que significa uma ferramenta? - 15 minutes

Uma pequena introdução pode ser feita pela facilitadora, convidando as pessoas a pensarem o que é uma tecnologia. Após um breve debate, é importante explicar que uma tecnologia é uma ferramenta feita para facilitar ou tornar prática a feitura de algo. Que toda ferramenta, mesmo que não seja digital, é uma tecnologia, porque tem como objetivo facilitar o fazer das coisas. A partir disso, pergunte às pessoas participantes qual é a sua ferramenta favorita. Pode ser qualquer coisa, uma caneta, uma faca, um tear, agulhas de crochê, liquidificador etc. Peça que tomem nota e, a partir disso, respondam duas perguntas:

  • Por quem você acha que essa ferramenta foi feita? Quem criou? Quem fabricou?
  • Para qual finalidade vocês imaginam que esta ferramenta foi criada?

Notas de facilitação

Reforce a ideia de que as ferramentas são criadas com objetivos, mas também com intenções e valores atrelados a elas. Elas não são inteiramente neutras, e geralmente a maneira com que são projetadas pode afetar ou orientar a maneira como são usadas. Por exemplo, as diferenças entre os cabos de uma peixeira, uma faca de cozinha e uma faca militar, ou entre um copo e uma taça.

Da mesma maneira, as ferramentas que usamos online também são projetadas com um olhar para suas utilizações das pessoas que as consomem. Podem ser direcionadas com diferenciações de gênero, serem heteronormativas, cisnormativas, racializadas etc. Traga alguns exemplos para ilustrar isto. Sites de relacionamento geralmente são projetados usando casais heterosexuais como norma (assim como sites de pornografia orientam-se para o prazer cismasculino), sites como o Facebook e o Google levaram anos para incluir outros gêneros além de homem e mulher, além de considerarem documentos civis para considerarem uma identidade como "real".

Abra as discussões pedindo exemplos de como participantes percebem valores, presunções e preconceitos embutidos nas tecnologias digitais que utilizam, e como eles podem afetar como as pessoas utilizam cada uma delas.

Atividade 2: O que significa um espaço?

Recursos necessários

Um lugar aberto ou pelo menos amplo, sulfite colorida cortada em quatro, canetas marcadoras.

Duração

45 minutos

Dinâmicas

Peça às participantes para que lembrem as ferramentas que escolheram na atividade anterior. A partir disso, dê-lhes um desafio:

  • Considerem que no lugar onde vocês estão só pode ficar quem tiver mais de 1.90m de altura.
  • Só pode falar nesta sala quem tiver uma cadeira, mas só pode sentar na cadeira se tiver um cachorro.
  • Se quiserem sair da sala, se sentirem desconfortáveis, tudo bem. Mas a porta tem 1.30m de altura e vocês precisam passar fazendo a dança da cordinha para sair.

Sabendo tudo isso, todo mundo se reúne em grupos. Participantes deverão pensar coletivamente sobre como podem usar as ferramentas que possuem de uma forma criativa para resolver este desafio e permitir que as pessoas se movimentem livremente por este espaço. Podem usar a ferramenta escolhida como acharem melhor, não precisa ser de uma forma restrita à utilidade original dela. O absurdo está liberado. Voltando para a roda, os grupos compartilham suas soluções.

A partir daí, traga à reflexão os desafios e os resultados deste exercício:

  • Como foi para vocês mudarem a função das ferramentas que escolheram? Fazer isso mudou os valores e as ideias associadas a elas?
  • Como foi a experiência de trabalhar para mudar as regras da sala?
  • Vocês se sentem fazendo a mesma coisa na internet também? Vocês acham que é possível transformar a internet, as nossas comunicações, os nossos espaços, as estruturas de poder, usando este pensamento coletivo e essa habilidade da gambiarra?

Após toda a discussão, faça um fechamento breve, conectando com essa experiência, com a cultura da gambiarra, e o que significa ser agente de mudança dentro dos muitos significados que isso possa ter. Podem ser usados vários exemplos desse tipo de ação nas redes. No link em inglês, o exemplo da campanha #fbrape. Aqui no Brasil, podemos citar na mesma proporção a #meuamigosecreto.

The Day the Everyday Sexism Project Won and Facebook Changed

Notas de facilitação

Durante a discussão, costure as relações entre as ferramentas, os espaços e as ações tomadas neste espaço usando estas ferramentas, como cada uma afeta a outra.

Relembre o quanto a estrutura da sala afeta as nossas interações. Quando as cadeiras estão diretamente colocadas junto à mesa, isso afeta a nossa interpretação sobre como usar as cadeiras, como se fossem duas coisas a serem usadas juntas. Quantas vezes estamos em um espaço e realmente nos sentimos livres para movimentar as cadeiras e mesas da forma que nos faz confortáveis? Tente conectar estas analogias com a ideia da internet como ferramenta para um espaço que regula nossas formas de interagirmos entre nós. Que a construção destes espaços também é feita com um nível de tendenciosidade de quem os planeja. Por exemplo, a diferença entre espaços de construção de conhecimento com uma construção professoral ou uma construção mais aberta como a de uma oficina.

Em outras palavras, as ferramentas na internet não são inertes, mesmo que sejam projetadas e reguladas para serem enxergadas desta maneira. São espaços que afetam e estruturam as nossas interações em menor ou maior proporção.

São diversos espaços, apesar de ser a mesma internet. Da mesma forma que um terreno pode ser ocupado e transformado de diversas maneiras, cada espaço na internet, representado por sites e plataformas, também estará sofrendo transformações de acordo com quem ocupa e regula, direta ou indiretamente, aquele espaço.

Ainda assim, são diferentes acessos, e diferentes direitos a estes terrenos. Algumas pessoas têm permissão a um espaço muito pequeno, que restringe a sua liberdade de construir ou trabalhar a terra, outras não conseguem uma escritura, outras possuem quantidades enormes de terra que continuam crescendo e se apropriando de outras menores.

Na internet, também é mais difícil romper com essas estruturas dos grandes que possuem mais recursos. Porém isto não nos retira o poder de negociação e cobrança do direito a essas terras. Por exemplo, é difícil negociar os valores do Facebook e das suas plataformas, de como são construídas e reguladas, mas ainda é possível trazer a discussão deste direito para dentro dos seus mecanismos. Os casos das hashtags acima descrevem bem as possibilidades de abertura criadas pela ação coletiva. Ainda que sigam mudando as regras, estas possibilidades nos lembram que podemos mudar a forma de usar as ferramentas como resposta a isso.

Detalhes da campanha #Fbrape que permitiu alterar as políticas do FB para denúncias de páginas com apologia e disseminação de estupro. Estas respostas também geram reação nas outras redes (no caso acima, nas políticas do Twitter), e como os construtores destes espaços e "donos da terra" percebem as mudanças de lógicas e valores que afetam as interações e seus interesses enquanto espaços em disputa.

É preciso enxergar como direito

Nossa capacidade, como usuáries, de transformar estes espaços online e seus valores de forma igualitária e livre. Uma vez que tais valores e as regras que os condensam afetam e regulam nossas interações, que não são apenas digitais, mas representações de nossas corporeidades na rede.

Atividade 3: Movimentos sociais e a internet

Este exercício pode ser útil para criar uma percepção positiva da internet enquanto espaço de ação efetiva, e não apenas um espaço de agressão e resposta reativa.

Recursos necessários

Flipchart, Canetas marcadoras e fita adesiva

Duração

60 minutos: 15 para a primeira atividade, 20 para o trabalho em grupos, 10 minutos para observar o trabalho dos demais grupos, e mais 15 para uma rodada de discussão e fechamentos.

Dinâmicas

Peça às participantes para refletirem sobre uma das ferramentas que utilizam em seus ativismos, e trabalhem estas questões:

  • Para que serve esta ferramenta e por que você acredita que ela é apropriada para o seu ativismo?
  • Por que esta ferramenta específica, e não uma similar? Como ela te faz sentir apropriada?

Divida todas as pessoas em pares ou grupos com 4, dependendo do tamanho da oficina. Peça para que pensem em um desafio recente nas suas atuações políticas, ou que identifiquem uma situação que foi significativa em seus contextos.

A partir daí, poderão responder algumas questões relacionadas a diversos elementos humanos destas situações. Descrevam como vocês acham que a internet transformou as seguintes relações:

  • Relações de poder individual, pensando mais em como elas foram fortalecidas neste processo, não nas disputas 
  • Reconhecimento das subjetividades, das diferenças e potências individuais. Por exemplo: se foi uma ação voltada para uma população tradicional, como a internet permitiu a aproximação e reconhecimento dessas pessoas, ou se foi voltada para pessoas trans, travestis e não-bináries, como foi o processo de incluí-las e pertencê-las em espaços tão binários?
  • Potências da coletividade; como ela permitiu que essas pessoas se encontrassem neste espaço e elaborassem ações juntas
  • Diversidade das ações e dos resultados delas para o ativismo de vocês 
  • Como as formas de atuação online e offline se complementaram e fortaleceram uma à outra
  • Como ajudaram a comunicar os objetivos políticos em comum 
  • Quais foram as compensações emocionais obtidas na coletividade
  • Quais espaços foram ocupados, reapropriados, ressignificados
  • Como vocês sentiram que foi o tempo da ação, da resposta, dos resultados 
  • Quanto tempo durou essa ação

Uma vez que essas questões forem mapeadas por cada grupo, estes grupos penduram suas folhas de flipchart em uma parede ou podem agrupá-las no centro da sala, e conforme cada grupo vá terminando, podem circular pela sala e contemplar os mapas dos outros grupos.

Após todos os grupos terminarem e circularem, traga todas as pessoas para uma roda para conversar um pouco sobre o que viram, o que fizeram, como se sentiram. Sinta-se disposta a trazer algumas perguntas orientadoras:

  • Como a internet ajudou a transformar as relações de poder nos movimentos? Sinta-se à vontade para retomar as perguntas apresentadas para os grupos como uma forma de puxar as respostas.
  • Qual foi a diferença mais notável em se organizar desta forma para quando não utilizavam a internet como ferramenta de atuação?
  • Como nós enquanto pessoas defensoras de direitos humanos, das mulheres e pessoas tranvestigêneres/cuir, feministas, podemos nos envolver melhor com a internet como um espaço político?

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